domingo, 14 de setembro de 2014

Mário Lisboa entrevista... Tiago R. Santos

Desde muito cedo que se interessou pela escrita, e tem desenvolvido um percurso como escritor que passa pela literatura, pelo cinema e pela televisão. Em 2007, co-escreveu o guião da longa-metragem "Call Girl" que marcou a primeira colaboração com António-Pedro Vasconcelos que se mantém até hoje, e, recentemente, escreveu o guião de "Os Gatos Não Têm Vertigens" que marca a 3ª colaboração entre ambos e conta com a participação de atores como Maria do Céu Guerra, João Jesus, Fernanda Serrano, Ricardo Carriço e Nicolau Breyner, na qual vai estrear no próximo dia 25 de Setembro. Esta entrevista foi feita no passado dia 9 de Setembro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
T.R.S: Não tenho bem a certeza. Lembro-me, quando era miúdo e andava na quarta classe, escrevi uma composição que a professora gostou imenso. Era fraquinha, uma daquelas histórias onde, no final, era tudo um sonho, o que é sempre um mecanismo narrativo trapaceiro. Mas recordo-me que gostei da sensação de entreter alguém com alguma coisa que tinha inventado, tanto que, ao mudar de escola quando passei para o 5º Ano, voltei a escrever a mesma composição para uma nova professora. Ou seja, talvez tenha sido aí que descobri que até gostava de escrever. E também que era incrivelmente preguiçoso.

M.L: Quais são as suas influências nesta área?
T.R.S: Se nos estamos a referir ao guionismo, os primeiros nomes que me surgem são Quentin Tarantino (foi ao assistir a “Pulp Fiction” (1994) pela primeira vez que pensei “uau, deve ser muito divertido escrever estes diálogos”), David Mamet (pelo ritmo e acidez da linguagem), Paddy Chayefsky (porque era brilhante) e Robert Towne (o “Chinatown” (1974) é um filme estruturalmente perfeito). Na literatura, confesso que as minhas influências são também maioritariamente americanas: Don DeLillo, Charles Bukowski, Philip Roth ou Kurt Vonnegut e agora Junot Díaz, mas também um pouco de Rubem Fonseca.

M.L: Tem desenvolvido o seu percurso como escritor nas áreas da literatura, cinema e televisão. Gostava de, um dia, escrever para teatro?
T.R.S: Sem dúvida. Gosto de contar histórias, seja em que formato for. Já escrevi e encenei uma micro-peça e, se tudo correr bem, espero ver a minha primeira “peça longa” nos palcos durante o próximo ano. Já está escrita e tudo.

M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora, durante o seu percurso como escritor?
T.R.S: É difícil responder a essa pergunta. As primeiras vezes marcam sempre muito – ver o “Call Girl” (2007) na tela de cinema ou pegar no “A Velocidade dos Objetos Metálicos”, o meu primeiro romance, e colocar junto dos meus restantes livros são momentos bons – mas fazem parte do passado, são projetos aos quais já nunca regresso. Por isso, talvez a resposta correta seja “Os Gatos Não Têm Vertigens”, porque é que vai estrear agora e o que vai provocar reações (positivas, espero) junto dos espectadores. É um filme que já terminei de escrever há mais de um ano e todo este momento – da ante-estreia e estreia, de perceber como o filme se relaciona com o espectador – é quase como receber a visita de um velho amigo que já não vejo há algum tempo. Gosto dessa sensação.

M.L: Em 2007, co-escreveu o guião da longa-metragem “Call Girl” de António-Pedro Vasconcelos e protagonizada por Soraia Chaves, Ivo Canelas, Nicolau Breyner e Joaquim de Almeida. Que recordações guarda desse trabalho?
T.R.S: As melhores. Foi o início da minha relação profissional com o António-Pedro Vasconcelos e Tino Navarro, duas pessoas que admiro e com as quais criei uma amizade que me orgulha, e o primeiro passo para o que ainda ando agora a fazer: escrever histórias, inventar personagens e diálogos, criar pedaços de mundos imaginários. E, mesmo considerando que já não vejo o filme há muito, gostei do projeto, do resultado final, das pessoas envolvidas. Não poderia pedir mais.

M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
T.R.S: Qual cultura? A verdade é que há um desinvestimento total na cultura por parte do nosso Governo, um desinteresse perigoso do público e uma tendência autofágica interna em algumas áreas que pioram ainda mais as coisas. Temos talento, disso não tenho dúvidas, pessoas que não desistem e continuam a inventar e criar porque é quase uma compulsão ou uma virtuosa insanidade. Mas sinto também que esse ‘não querer saber do público’ provoca uma divisão nefasta: existem aqueles que deixam de querer comunicar e se tornam herméticos em gloriosos exercícios de masturbação intelectual e os outros que ficam convencidos que para agradar é necessário simplificar até ao absurdo, como se estivessem a escrever ou a filmar para alguém que nunca leu ou viu um filme na vida. Acredito no meio-termo, no poder e importância da narrativa, na inteligência do público e é para isso que trabalho.

M.L: Recentemente, escreveu o guião da longa-metragem “Os Gatos Não Têm Vertigens” de António-Pedro Vasconcelos, na qual vai estrear no próximo dia 25 de Setembro. Como é que surgiu a ideia de escrever esta longa-metragem?
T.R.S: Como sempre surgem as ideias quando trabalho com o António-Pedro Vasconcelos: sentamo-nos à mesa durante vários jantares e vamos trocando conceitos e premissas até encontrarmos uma que interesse a ambos. Neste caso em particular, foi através de uma história que uma amiga partilhou comigo, sobre uma senhora de idade que um dia encontrou um miúdo sem-abrigo a viver no telhado e que começou a cuidar dele. O António-Pedro já tinha ouvido uma história semelhante e o insólito da situação – e as questões que nos permitia explorar – foram suficientes para acharmos que havia aqui um filme para explorar.

M.L: O envelhecimento é um dos temas retratados em “Os Gatos Não Têm Vertigens”, tal como em “Call Girl”. Na sua opinião, o que é preciso para lidar com os que têm uma idade mais avançada?
T.R.S: Não me recordo com exatidão da frase, mas há uma expressão que diz qualquer coisa como “o nível da evolução de uma sociedade pode ser interpretada pela forma como lidam com os velhos e os loucos”. O que não diz grande coisa da nossa sociedade. Basta olhar para os cortes das pensões e para o abandono e solidão extrema com que muitos são obrigados a viver. O que sinto é que os esses mais idosos, tão fundamentais como testemunhas da nossa história e guardiões das nossas memórias, são agora vistos como um peso ou, como diz a própria Rosa (Maria do Céu Guerra) em “Os Gatos Não Têm Vertigens”, “num emprego que se detesta”. Não sei o que é preciso, com toda a honestidade, apenas o que seria ideal – essa aproximação e reconhecimento aos mais idosos.

M.L: Que expectativas têm em relação a este projeto?
T.R.S: Que as pessoas gostem e que saiam das duas horas na sala escura do cinema e pensem ‘ok, valeu a pena o dinheiro do bilhete, acreditei na história, senti empatia pelas personagens e agora vou telefonar aos meus pais ou à minha avó porque já não falo com ela há imenso tempo’.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área da escrita?
T.R.S: Não ingressem. Sigam os conselhos dos vossos pais e estudem antes economia. Só tentem ganhar a vida como escritor se for uma coisa que precisam mesmo, mesmo, mesmo de fazer. Não é fácil e não é divertido e não se ganha bem. É uma dor de cabeça sem fim com raros momentos de prazer. Tendo escrito isso, é também uma sensação incomparável perceber que criámos algo onde nada existia. Por isso, só há um conselho se quiserem uma carreira da área da escrita: escrevam, sejam honestos com a vossa escrita e arranjem forma de lidar com a angústia de esperar que alguém ache que vocês têm algum jeito para a coisa. Ah, e se escreverem alguma coisa e pensarem ‘estas minhas palavras são geniais’, há 99 por cento de certeza que não serão geniais.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até agora, como escritor?
T.R.S: Nunca pensei nisso, para ser sincero. É demasiado cedo para balanços e estou demasiado ocupado a tentar ganhar a vida.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
T.R.S: Escrevi um filme para a Stopline Films que será realizado pelo Leonel Vieira e anunciado em breve; estou a desenvolver dois projetos para o Tino Navarro; espero que a minha primeira peça de teatro se concretize em breve e quero publicar o meu segundo romance em 2015. É mais ou menos isso.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
T.R.S: Aprender a fazer um bom risotto. E realizar um filme. O que vier primeiro (a minha aposta vai para o risotto).ML

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